Incidente
Liquidação de Sentença pelo Procedimento Comum (0019995-25.2024.8.26.0562)
Assunto
Seguro
Foro
Foro de Santos
Vara
4ª Vara Cível
Processo principal

Partes do processo

Reqte  Ministerio Publico do Estado de Sao Paulo
Advogado:  Inaldo Bezerra Silva Junior  
Reqdo  Tokio Marine Seguradora Sa
Advogada:  Debora Schalch  
Advogado:  Darcio Jose da Mota  
Advogada:  Maria Fernanda de Souza E Silva Teixeira  
Advogado:  Daniel Marcus  
Advogada:  Giovanna Rocha de Castro  
Advogado:  Élcio José Rodrigues Giometti Júnior  
PromotTer  Ministério Público do Estado de São Paulo
Preposto  Daniel Marcus
Preposto:  Élcio José Rodrigues Giometti Júnior 

Movimentações

Data Movimento
05/12/2025 Mensagem Eletrônica (e-mail) Juntada
04/12/2025 Ofício Expedido
Ofício - Solicitação Genérica
04/12/2025 Certidão de Publicação Expedida
Relação: 1691/2025 Data da Publicação: 05/12/2025
03/12/2025 Remetido ao DJE
Relação: 1691/2025 Teor do ato: Juiz(a) de Direito: Dr(a). Frederico dos Santos Messias Vistos. Trata-se de procedimento de Liquidação de sentença coletiva, pelo procedimento comum, proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO em face de TOKIO MARINE SEGURADORA S.A. (sucessora da Real Previdência e Seguros S/A). O MPSP busca a apuração e execução de multas cominatórias (astreintes) por descumprimento de obrigações de fazer e não fazer estipuladas na sentença transitada em julgado da Ação Civil Pública nº 0029003-95.2002.8.26.0562. O MP noticiou que a executada vem falhando sistematicamente no cumprimento de duas principais obrigações: a de não restringir ou desrespeitar o direito do segurado ou de terceiros de escolher livremente a oficina reparadora de sua confiança (sob pena de multa de R$ 10.000,00 por ato de descumprimento); e a de observar o prazo máximo de 96 horas úteis para a liberação dos reparos dos veículos sinistrados após o recebimento da informação e documentação necessária (sob pena de multa de R$ 1.000,00 por hora de atraso, desconsiderando-se apenas dias não úteis, conforme entendimento adotado em recursos anteriores). Para fundamentar o pedido, foram apresentados e detalhados os casos de seis consumidores (Eduardo Guimarães Devotti, Alaor Cardoso Ferreira, Cerradinho Participações S/A, Rosaria Alves Borges, Simone Kawamura e Isabel Cristina Gimenes da Silva), culminando na pretensão de execução no montante total de R$ 3.481.000,00. A executada, citada, ofereceu contestação (fls. 229/277). Em suma, alegou a improcedência da liquidação, sustentando o integral cumprimento das obrigações impostas pela sentença. Argumentou que a eventual superação do prazo de 96 horas decorreu da necessidade de negociar preços abusivos e descompassados com o mercado, apresentados pelas oficinas não referenciadas escolhidas pelos consumidores. Aduziu que a recusa em arcar com valores exorbitantes (que chegariam a ser 113% superiores aos orçamentos de concessionárias da marca) é uma medida legítima de defesa do capital segurado e do mutualismo, e não um descumprimento da ACP. A Ré defendeu, subsidiariamente, a redução do valor total pleiteado por considerá-lo excessivo e desproporcional, além de rechaçar a aplicação de juros de mora. Trouxe aos autos fatos novos, inclusive, apontando indícios de conduta fraudulenta por parte das oficinas não credenciadas. O Ministério Público apresentou réplica (fls. 469/483), rebatendo as alegações de fundo da executada sob o manto da coisa julgada, reiterando que as discussões sobre valores e procedimentos internos deveriam ter sido travadas na fase de conhecimento e não podem ser usadas para justificar o descumprimento de um prazo fixado em título executivo judicial. O MP também insistiu na existência de embaraços à livre escolha e pressão indevida sobre os consumidores. O MPSP manifestou-se favoravelmente ao afastamento dos juros de mora, desde que o valor principal fosse integralmente reconhecido e executado. Foi saneado o feito (fls. 517/518) e determinada a produção de prova oral. Em audiências (fls. 586/588, 868/870 e 881), foram colhidos depoimentos dos consumidores e dos representantes das oficinas envolvidas. A instrução processual foi encerrada e as partes apresentaram suas Alegações Finais (fls. 897/904 e 905/924). É o relatório. DECIDO. A pretensão do Ministério Público funda-se na execução de obrigações de fazer e não fazer estabelecidas na sentença transitada em julgado da Ação Civil Pública nº 0029003-95.2002.8.26.0562, que condenou a seguradora a cumprir com o prazo de 96 horas para liberação de reparos e a não restringir o direito de livre escolha de oficinas pelos segurados. Conforme orientação reiterada neste Juízo em procedimentos de liquidação anteriores, a presente fase processual, por força do artigo 509, § 4º, do Código de Processo Civil, não comporta qualquer rediscussão do mérito da decisão transitada em julgado. As obrigações impostas são claras, objetivas e imutáveis. A defesa da executada baseia-se na tentativa de justificar o descumprimento das obrigações com base em razões financeiras e operacionais, tais como o alegado custo abusivo cobrado pelas oficinas de preferência dos consumidores, o que violaria o mutualismo e o interesse do grande corpo de segurados, e a legítima fiscalização de mercado. Tais argumentos, embora apresentados sob o pretexto de combater fraudes e proteger o consumidor, configuram, na verdade, uma sistemática tentativa de rediscutir os termos da condenação já consolidada. A sentença foi inequívoca ao determinar que a seguradora deve se abster de restringir a livre escolha e deve cumprir o prazo de 96 horas. A prerrogativa da seguradora de fiscalizar os orçamentos e negociar valores de mão de obra e peças não lhe confere o direito de ignorar o comando judicial. Se a executada identificou divergências, o ônus de resolvê-las dentro do prazo de 96 horas, ou até mesmo de judicializar o litígio sobre o valor, recai sobre ela, nunca podendo ser repassado ao consumidor em forma de atraso ou pressão indevida. O consumidor, parte vulnerável na relação, não pode ser refém do embate comercial entre a seguradora e as oficinas. A manutenção de procedimentos internos que rotineiramente resultam na inobservância do prazo máximo de 96 horas, conforme admitido de forma velada pela própria dinâmica de "não acordo" da Ré e corroborado pelos depoimentos dos representantes das oficinas, demonstra que a multa fixada na ACP não alcançou o seu objetivo coercitivo. A alegada defesa do mutualismo não pode servir de escudo para o descumprimento da lei e de uma decisão judicial. Deste modo, a conduta da executada configura verdadeiro embaraço à livre escolha e demonstra o descumprimento da obrigação de fazer imposta. As provas coligidas, complementadas pelos depoimentos testemunhais dos consumidores e representantes das oficinas, evidenciam a justa causa para a imposição das multas. Em relação à Cerradinho Participações S/A, em que pese o teor do depoimento do seu representante legal, a documentação anexada à petição inicial e a conduta de cancelamento unilateral do sinistro sob o pretexto de "não acordo", impondo ao segurado a necessidade de realizar o reparo particular, configura o descumprimento da obrigação de fazer. O fato de o valor final ter sido inferior à franquia, como alegado pela Ré, não anula o período em que o cumprimento foi procrastinado, mantendo-se a multa horária para o período integral do atraso. A insistência da seguradora na remoção ou no "não acordo" é a própria restrição à livre escolha, passível de multa de R$ 10.000,00. O atraso na liberação dos reparos para Eduardo Guimarães Devotti e Alaor Cardoso Ferreira decorreu da recusa da Seguradora em negociar com a oficina Irineu, sob alegação de preços abusivos. Esta recusa, manifestada através de demora e imposição de alternativas (retirar o veículo ou aceitar valores orçados pela Seguradora), constitui flagrante desrespeito à livre escolha e ao prazo processual. Nesse sentido, os depoimentos prestados em audiência, tanto pelos consumidores quanto pelos proprietários das oficinas (Camilo Freitas Tavares e Bruno Carlos Ribeiro Freitas Silva) são uníssonos em descrever a tática da Ré de arrastar o processo até forçar a capitulação do consumidor ou da oficina. A conduta da seguradora perante Rosaria Alves Borges e Simone Kawamura é igualmente marcada pela imposição de obstáculos e pelo subsequente convencimento dos segurados a optarem pela rede credenciada ou por um acordo, após longos períodos de espera. A alegação de que a disparidade de valores é alta (25% a 40%) não elide o dever de indenizar o conserto na oficina de escolha do segurado, desde que o valor seja o de mercado, cabendo à seguradora comprovar, mediante laudo técnico isento, a exorbitância do valor e não simplesmente apresentar um "orçamento próprio" com o seu timbre, como verificado nos autos (fls. 292, 305, 329, 341 e 358). A mora, neste caso, é imputável à Ré. Especificamente sobre o caso de Isabel Cristina Gimenes da Silva, a Seguradora argumentou que houve a celebração de acordo com a segurada, outorgando quitação. No entanto, tal acordo foi celebrado apenas após uma longa e injustificada resistência da Seguradora e posterior constrangimento da segurada, o que não retira o ato de descumprimento temporal e de restrição já consumado no período de mora, sendo devida a multa cominatória. Desta forma, os extensos atrasos e o condicionamento do serviço a um "não acordo" com a oficina de escolha, independentemente da controvérsia subsequente sobre valores, configuram claramente o descumprimento das obrigações impostas. A multa de R$ 10.000,00 deverá incidir a cada vez em que foi violada a obrigação de não fazer (restrição à livre escolha), e a multa de R$ 1.000,00 por hora de atraso deverá incidir sobre o período que excedeu as 96 horas. O Ministério Público, em suas alegações, adotou o critério de cômputo apenas das horas referentes ao horário comercial (9 horas úteis por dia), conforme decidido no Agravo de Instrumento nº 2245789-43.2019.8.26.0000, já mencionado na petição inicial e em réplicas. Este critério demonstra razoabilidade e será adotado por este Juízo. O valor final pleiteado pelo MPSP de R$ 3.481.000,00 (três milhões, quatrocentos e oitenta e um mil reais) é o resultado do somatório das multas horárias e das multas fixas por restrição do direito de escolha. Não há que se falar em redução da multa. O elevado valor da penalidade, embora possa parecer vultoso à primeira vista, foi fixado no título executivo com o objetivo primordial de compelir a Ré, com alto poder econômico, ao cumprimento de uma obrigação de natureza coletiva, servindo à proteção de toda a massa de consumidores segurados. A insistência da Ré em manter procedimentos que, na prática, violam a decisão judicial, demonstra que a penalidade é, se não insuficiente, certamente necessária para garantir a efetividade da tutela jurisdicional. Quanto aos acessórios legais, o MPSP inicialmente requereu a aplicação de juros moratórios. Embora em réplica tenha se resignado com a discussão, o pleito inicial deve ser cumprido nos termos do precedente judicial deste Juízo em casos análogos, onde a mora é cabível. Os valores da multa devem ser corrigidos monetariamente, a partir da data de cada descumprimento, pelos índices da Tabela Prática do Tribunal de Justiça de São Paulo, e acrescidos de juros legais de mora, a partir da data do descumprimento de cada obrigação. Em suas alegações finais, a executada noticiou fato grave, afirmando que a testemunha Eduardo Guimarães Devotti, em Juízo, negou a autoria de um e-mail anexado pelo MPSP na inicial (fls. 65), que teria sido usado para comprovar o descumprimento da seguradora, levantando a suspeita de falsificação documental. Embora a autenticidade ou autoria do e-mail não seja fator absoluto na decisão, visto que o descumprimento restou provado por outros meios, o indício de fraude ou ilícito processual ou penal deve ser apurado. Assim, impõe-se a determinação do encaminhamento de cópia integral deste processo à Promotoria de Justiça Criminal, se for o caso, para apuração de ilícito processual e/ou criminal em relação à origem e autoria da documentação porventura falsificada, como medida de cautela e estrito cumprimento do dever legal. Pelo exposto, JULGO PROCEDENTE o presente procedimento de liquidação de sentença para fixar o valor da multa imposta na sentença coletiva em R$ 3.481.000,00 (três milhões, quatrocentos e oitenta e um mil reais), corrigido monetariamente e acrescidos de juros legais de mora a partir do descumprimento. OFICIE-SE à Promotoria de Justiça Criminal competente, encaminhando-se cópia integral dos autos, com destaque para as alegações finais da Ré (fls. 905/924), especialmente o trecho que trata do depoimento de Eduardo Guimarães Devotti e a alegada falsidade do e-mail de fls. 65, para que se apurem as responsabilidades criminais pertinentes em relação a eventual fraude processual ou falsidade documental. Advogados(s): Debora Schalch (OAB 113514/SP), Inaldo Bezerra Silva Junior (OAB 132994/SP), Daniel Marcus (OAB 181463/SP), Darcio Jose da Mota (OAB 67669/SP), Maria Fernanda de Souza E Silva Teixeira (OAB 351239/SP), Élcio José Rodrigues Giometti Júnior (OAB 443439/SP), Giovanna Rocha de Castro (OAB 459880/SP)
03/12/2025 Julgada Procedente a Ação
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Frederico dos Santos Messias Vistos. Trata-se de procedimento de Liquidação de sentença coletiva, pelo procedimento comum, proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO em face de TOKIO MARINE SEGURADORA S.A. (sucessora da Real Previdência e Seguros S/A). O MPSP busca a apuração e execução de multas cominatórias (astreintes) por descumprimento de obrigações de fazer e não fazer estipuladas na sentença transitada em julgado da Ação Civil Pública nº 0029003-95.2002.8.26.0562. O MP noticiou que a executada vem falhando sistematicamente no cumprimento de duas principais obrigações: a de não restringir ou desrespeitar o direito do segurado ou de terceiros de escolher livremente a oficina reparadora de sua confiança (sob pena de multa de R$ 10.000,00 por ato de descumprimento); e a de observar o prazo máximo de 96 horas úteis para a liberação dos reparos dos veículos sinistrados após o recebimento da informação e documentação necessária (sob pena de multa de R$ 1.000,00 por hora de atraso, desconsiderando-se apenas dias não úteis, conforme entendimento adotado em recursos anteriores). Para fundamentar o pedido, foram apresentados e detalhados os casos de seis consumidores (Eduardo Guimarães Devotti, Alaor Cardoso Ferreira, Cerradinho Participações S/A, Rosaria Alves Borges, Simone Kawamura e Isabel Cristina Gimenes da Silva), culminando na pretensão de execução no montante total de R$ 3.481.000,00. A executada, citada, ofereceu contestação (fls. 229/277). Em suma, alegou a improcedência da liquidação, sustentando o integral cumprimento das obrigações impostas pela sentença. Argumentou que a eventual superação do prazo de 96 horas decorreu da necessidade de negociar preços abusivos e descompassados com o mercado, apresentados pelas oficinas não referenciadas escolhidas pelos consumidores. Aduziu que a recusa em arcar com valores exorbitantes (que chegariam a ser 113% superiores aos orçamentos de concessionárias da marca) é uma medida legítima de defesa do capital segurado e do mutualismo, e não um descumprimento da ACP. A Ré defendeu, subsidiariamente, a redução do valor total pleiteado por considerá-lo excessivo e desproporcional, além de rechaçar a aplicação de juros de mora. Trouxe aos autos fatos novos, inclusive, apontando indícios de conduta fraudulenta por parte das oficinas não credenciadas. O Ministério Público apresentou réplica (fls. 469/483), rebatendo as alegações de fundo da executada sob o manto da coisa julgada, reiterando que as discussões sobre valores e procedimentos internos deveriam ter sido travadas na fase de conhecimento e não podem ser usadas para justificar o descumprimento de um prazo fixado em título executivo judicial. O MP também insistiu na existência de embaraços à livre escolha e pressão indevida sobre os consumidores. O MPSP manifestou-se favoravelmente ao afastamento dos juros de mora, desde que o valor principal fosse integralmente reconhecido e executado. Foi saneado o feito (fls. 517/518) e determinada a produção de prova oral. Em audiências (fls. 586/588, 868/870 e 881), foram colhidos depoimentos dos consumidores e dos representantes das oficinas envolvidas. A instrução processual foi encerrada e as partes apresentaram suas Alegações Finais (fls. 897/904 e 905/924). É o relatório. DECIDO. A pretensão do Ministério Público funda-se na execução de obrigações de fazer e não fazer estabelecidas na sentença transitada em julgado da Ação Civil Pública nº 0029003-95.2002.8.26.0562, que condenou a seguradora a cumprir com o prazo de 96 horas para liberação de reparos e a não restringir o direito de livre escolha de oficinas pelos segurados. Conforme orientação reiterada neste Juízo em procedimentos de liquidação anteriores, a presente fase processual, por força do artigo 509, § 4º, do Código de Processo Civil, não comporta qualquer rediscussão do mérito da decisão transitada em julgado. As obrigações impostas são claras, objetivas e imutáveis. A defesa da executada baseia-se na tentativa de justificar o descumprimento das obrigações com base em razões financeiras e operacionais, tais como o alegado custo abusivo cobrado pelas oficinas de preferência dos consumidores, o que violaria o mutualismo e o interesse do grande corpo de segurados, e a legítima fiscalização de mercado. Tais argumentos, embora apresentados sob o pretexto de combater fraudes e proteger o consumidor, configuram, na verdade, uma sistemática tentativa de rediscutir os termos da condenação já consolidada. A sentença foi inequívoca ao determinar que a seguradora deve se abster de restringir a livre escolha e deve cumprir o prazo de 96 horas. A prerrogativa da seguradora de fiscalizar os orçamentos e negociar valores de mão de obra e peças não lhe confere o direito de ignorar o comando judicial. Se a executada identificou divergências, o ônus de resolvê-las dentro do prazo de 96 horas, ou até mesmo de judicializar o litígio sobre o valor, recai sobre ela, nunca podendo ser repassado ao consumidor em forma de atraso ou pressão indevida. O consumidor, parte vulnerável na relação, não pode ser refém do embate comercial entre a seguradora e as oficinas. A manutenção de procedimentos internos que rotineiramente resultam na inobservância do prazo máximo de 96 horas, conforme admitido de forma velada pela própria dinâmica de "não acordo" da Ré e corroborado pelos depoimentos dos representantes das oficinas, demonstra que a multa fixada na ACP não alcançou o seu objetivo coercitivo. A alegada defesa do mutualismo não pode servir de escudo para o descumprimento da lei e de uma decisão judicial. Deste modo, a conduta da executada configura verdadeiro embaraço à livre escolha e demonstra o descumprimento da obrigação de fazer imposta. As provas coligidas, complementadas pelos depoimentos testemunhais dos consumidores e representantes das oficinas, evidenciam a justa causa para a imposição das multas. Em relação à Cerradinho Participações S/A, em que pese o teor do depoimento do seu representante legal, a documentação anexada à petição inicial e a conduta de cancelamento unilateral do sinistro sob o pretexto de "não acordo", impondo ao segurado a necessidade de realizar o reparo particular, configura o descumprimento da obrigação de fazer. O fato de o valor final ter sido inferior à franquia, como alegado pela Ré, não anula o período em que o cumprimento foi procrastinado, mantendo-se a multa horária para o período integral do atraso. A insistência da seguradora na remoção ou no "não acordo" é a própria restrição à livre escolha, passível de multa de R$ 10.000,00. O atraso na liberação dos reparos para Eduardo Guimarães Devotti e Alaor Cardoso Ferreira decorreu da recusa da Seguradora em negociar com a oficina Irineu, sob alegação de preços abusivos. Esta recusa, manifestada através de demora e imposição de alternativas (retirar o veículo ou aceitar valores orçados pela Seguradora), constitui flagrante desrespeito à livre escolha e ao prazo processual. Nesse sentido, os depoimentos prestados em audiência, tanto pelos consumidores quanto pelos proprietários das oficinas (Camilo Freitas Tavares e Bruno Carlos Ribeiro Freitas Silva) são uníssonos em descrever a tática da Ré de arrastar o processo até forçar a capitulação do consumidor ou da oficina. A conduta da seguradora perante Rosaria Alves Borges e Simone Kawamura é igualmente marcada pela imposição de obstáculos e pelo subsequente convencimento dos segurados a optarem pela rede credenciada ou por um acordo, após longos períodos de espera. A alegação de que a disparidade de valores é alta (25% a 40%) não elide o dever de indenizar o conserto na oficina de escolha do segurado, desde que o valor seja o de mercado, cabendo à seguradora comprovar, mediante laudo técnico isento, a exorbitância do valor e não simplesmente apresentar um "orçamento próprio" com o seu timbre, como verificado nos autos (fls. 292, 305, 329, 341 e 358). A mora, neste caso, é imputável à Ré. Especificamente sobre o caso de Isabel Cristina Gimenes da Silva, a Seguradora argumentou que houve a celebração de acordo com a segurada, outorgando quitação. No entanto, tal acordo foi celebrado apenas após uma longa e injustificada resistência da Seguradora e posterior constrangimento da segurada, o que não retira o ato de descumprimento temporal e de restrição já consumado no período de mora, sendo devida a multa cominatória. Desta forma, os extensos atrasos e o condicionamento do serviço a um "não acordo" com a oficina de escolha, independentemente da controvérsia subsequente sobre valores, configuram claramente o descumprimento das obrigações impostas. A multa de R$ 10.000,00 deverá incidir a cada vez em que foi violada a obrigação de não fazer (restrição à livre escolha), e a multa de R$ 1.000,00 por hora de atraso deverá incidir sobre o período que excedeu as 96 horas. O Ministério Público, em suas alegações, adotou o critério de cômputo apenas das horas referentes ao horário comercial (9 horas úteis por dia), conforme decidido no Agravo de Instrumento nº 2245789-43.2019.8.26.0000, já mencionado na petição inicial e em réplicas. Este critério demonstra razoabilidade e será adotado por este Juízo. O valor final pleiteado pelo MPSP de R$ 3.481.000,00 (três milhões, quatrocentos e oitenta e um mil reais) é o resultado do somatório das multas horárias e das multas fixas por restrição do direito de escolha. Não há que se falar em redução da multa. O elevado valor da penalidade, embora possa parecer vultoso à primeira vista, foi fixado no título executivo com o objetivo primordial de compelir a Ré, com alto poder econômico, ao cumprimento de uma obrigação de natureza coletiva, servindo à proteção de toda a massa de consumidores segurados. A insistência da Ré em manter procedimentos que, na prática, violam a decisão judicial, demonstra que a penalidade é, se não insuficiente, certamente necessária para garantir a efetividade da tutela jurisdicional. Quanto aos acessórios legais, o MPSP inicialmente requereu a aplicação de juros moratórios. Embora em réplica tenha se resignado com a discussão, o pleito inicial deve ser cumprido nos termos do precedente judicial deste Juízo em casos análogos, onde a mora é cabível. Os valores da multa devem ser corrigidos monetariamente, a partir da data de cada descumprimento, pelos índices da Tabela Prática do Tribunal de Justiça de São Paulo, e acrescidos de juros legais de mora, a partir da data do descumprimento de cada obrigação. Em suas alegações finais, a executada noticiou fato grave, afirmando que a testemunha Eduardo Guimarães Devotti, em Juízo, negou a autoria de um e-mail anexado pelo MPSP na inicial (fls. 65), que teria sido usado para comprovar o descumprimento da seguradora, levantando a suspeita de falsificação documental. Embora a autenticidade ou autoria do e-mail não seja fator absoluto na decisão, visto que o descumprimento restou provado por outros meios, o indício de fraude ou ilícito processual ou penal deve ser apurado. Assim, impõe-se a determinação do encaminhamento de cópia integral deste processo à Promotoria de Justiça Criminal, se for o caso, para apuração de ilícito processual e/ou criminal em relação à origem e autoria da documentação porventura falsificada, como medida de cautela e estrito cumprimento do dever legal. Pelo exposto, JULGO PROCEDENTE o presente procedimento de liquidação de sentença para fixar o valor da multa imposta na sentença coletiva em R$ 3.481.000,00 (três milhões, quatrocentos e oitenta e um mil reais), corrigido monetariamente e acrescidos de juros legais de mora a partir do descumprimento. OFICIE-SE à Promotoria de Justiça Criminal competente, encaminhando-se cópia integral dos autos, com destaque para as alegações finais da Ré (fls. 905/924), especialmente o trecho que trata do depoimento de Eduardo Guimarães Devotti e a alegada falsidade do e-mail de fls. 65, para que se apurem as responsabilidades criminais pertinentes em relação a eventual fraude processual ou falsidade documental.
  Mais

Petições diversas

Data Tipo
03/02/2025 Contestação
12/02/2025 Manifestação do MP
28/02/2025 Indicação de Provas
05/03/2025 Manifestação do MP
12/03/2025 Manifestação do MP
21/03/2025 Rol de Testemunha
01/04/2025 Petições Diversas
14/04/2025 Petições Diversas
16/04/2025 Manifestação do MP
07/05/2025 Manifestação do MP
16/06/2025 Manifestação do MP
25/06/2025 Manifestação do MP
01/07/2025 Manifestação do MP
29/07/2025 Manifestação do MP
12/09/2025 Manifestação do MP
25/11/2025 Manifestação do MP
26/11/2025 Alegações Finais

Incidentes, ações incidentais, recursos e execuções de sentenças

Não há incidentes, ações incidentais, recursos ou execuções de sentenças vinculados a este processo.

Apensos, Entranhados e Unificados

Não há processos apensados, entranhados e unificados a este processo.

Audiências

Data Audiência Situação Qt. Pessoas
15/04/2025 Conciliação, Instrução e Julgamento Realizada 2
12/08/2025 Conciliação, Instrução e Julgamento Redesignada 2
23/09/2025 Conciliação, Instrução e Julgamento Realizada 2
04/11/2025 Conciliação, Instrução e Julgamento Realizada 2